Definir o posicionamento mercadológico de uma marca requer muita informação sobre a concorrência, algo frequentemente subestimado; para tomar decisões estratégicas, é preciso usar uma ferramenta que cruze dados quantitativos e qualitativos dos rivais, descobrindo as lacunas a explorar | por Maximiliano Tozzini Bavaresco

Sinopse: Maximiliano Tozzini Bavaresco é fundador e CEO da consultoria estratégica Sonne e professor de MBA e pós-graduação do Insper e da FIA-USP.

Para vencer, é importante conhecer a si e a seu adversário, ensinava o general chinês Sun Tzu 500 anos antes do início da era cristã. Para afastar o risco de derrotas, há que avaliar corretamente as próprias forças e as do oponente, completou Nicolau Maquiavel, o precursor da ciência política, na Itália dos 1500.

A Olimpíada que acabamos de acompanhar mostrou que nos esportes, também é crucial conhecer os rivais. E nos negócios não é diferente, por mais que o discurso atual, centrado no consumidor, exclua a concorrência: ter uma visão clara dos players do setor é obrigatório para nortear ações estratégicas e aumentar as
chances de sucesso. Só que, dada a multiplicação dos concorrentes existentes, essa tarefa ficou tremendamente difícil.

Não é apenas o maior número de players que complica as coisas; a pouca diferenciação entre as marcas torna vários elementos intangíveis e/ou difíceis de comparar. Pense bem: você realmente conhece seus concorrentes? Consegue dizer que preços praticam? Quais as características de cada produto do segmento? Em que nichos estão posicionados? Que nível de serviço oferecem? E sabe onde está posicionada sua marca comparativamente à concorrência?

Muitos gestores até têm essas respostas, mas de maneira isolada, o que – Sun Tzu e Maquiavel concordariam – ajuda pouco na decisão sobre seu posicionamento no mercado. Para tomar decisões mais precisas deve-se cruzar todas as informações disponíveis sobre os rivais e compará-las com as de sua empresa, sempre levando em conta aspectos quantitativos e qualitativos.

Em 2007, durante um curso em Chicago, nos EUA, precisei fazer uma análise sobre potenciais fusões e aquisições para uma empresa e tive de levantar os dados das concorrentes. Deu trabalho, mas rendeu um insight: eu podia desenvolver uma ferramenta para posicionar uma empresa no mercado.

De volta ao Brasil, concebi e refinei a ferramenta e comecei a aplicá-la em meus projetos de consultoria estratégica, para analisar diferentes elementos da proposta de valor das marcas, suas relações e combinações entre si, cruzando-as com as diferentes faixas de preços. Registrei sua propriedade intelectual como “Vectors of Differentiation and Pricing” (hoje a disponibilizo gratuitamente).

Como Funciona

Posicionamento Mercadológico
VECTORS OF DIFFERENTIATION AND PRICING©

 

 

Visualize um gráfico com dois eixos: o vertical é quantitativo – faixa de preço –, e o horizontal, qualitativo, representando qualquer diferencial que
deseje analisar. Isso vai da qualidade do produto aos serviços prestados, do atendimento ao cliente à área geográfica de atuação, do prestígio da marca à relação com o consumidor.

Os dados virão de múltiplas fontes: pesquisas de mercado, análise da concorrência, tendências futuristas, mapas de mídias sociais que levantem
necessidades não atendidas etc.

A matriz resultante leva os gestores a enxergar os espaços de ameaças e oportunidades de mercado que antes passavam despercebidos e, assim, fica
mais fácil decidir ampliar o portfólio de produtos em determinada direção ou reposicionar uma marca. Usando uma metáfora em voga, a ferramenta confere aos disputados oceanos vermelhos uma cor azulada.

Essas informações tendem a impactar desde a área de pesquisa e desenvolvimento – que mais facilmente identificará novos nichos a explorar – até os departamentos de marketing e de vendas. Estes
farão uma comunicação mais persuasiva se puderem enfatizar seus diferenciais em relação aos rivais.

A real compreensão dos “inimigos” e de “si mesmo” não serve só a grandes corporações. Qualquer empresa que comercialize um produto ou serviço em um mercado concorrido terá vantagem em usar essa análise – e não importa seu porte.

 

Quando usar

Como uma empresa de produto B2C, uma B2B e uma de serviços aplicariam a ferramenta? A JBS, a Angelus e a Flow Executive Finders me autorizaram a contar suas experiências.

Cerca de dois anos atrás, a JBS havia decidido segmentar sua marca Friboi, da divisão de carnes, em diferentes marcas endossadas. Seus gestores tinham uma pergunta a responder: qual seria a melhor arquitetura de marcas para o reposicionamento dos produtos Friboi, de modo que não houvesse sobreposição?

Maria Eugênia Rocha, gerente-executiva de marketing da divisão de carnes da JBS, conta que, com dados extraídos de pesquisas de mercado e análise da concorrência, a empresa cruzou atributos como canal de distribuição, tipo de produto e raça do animal com os preços. “Enxergamos os gaps e isso facilitou a elaborar a proposta de valor para cada marca da família Friboi”, reconhece ela, ressaltando o impacto sobretudo na marca Angus Friboi, cujo posicionamento quanto ao canal e à faixa de preço era uma incógnita para a empresa.

Em março de 2016, a JBS anunciou as novas bandeiras: Reserva Friboi, para carnes selecionadas e com cortes diferenciados; Maturatta Friboi, para churrasco; Do Chef Friboi, para o mercado de food service; e Angus Friboi, produto premium com cortes certificados pela associação de criadores de gado Angus. A marca guarda-chuva Friboi, mantida, ganhou nova identidade visual.

A Angelus, empresa brasileira de soluções de odontologia fundada em 1994, recorreu à ferramenta quando se preparava para estrear no mercado B2B com uma linha de clareador dental para uso profissional e kit para continuidade do tratamento pelo paciente em casa.

Com dados obtidos em pesquisas de campo com distribuidores, em entrevistas feitas com dentistas e distribuidores de produtos odontológicos e em estudos de mercado, a ferramenta surpreendeu Roberto Alcântara, presidente da Angelus. “Muitas de nossas impressões e conceitos não batiam com a realidade”, relembra. “Um exemplo foi o atributo funcional de ‘dessensibilização’; seu peso mostrou ser muito maior que o esperado.”

Isso fez a empresa voltar ao laboratório para aperfeiçoar a fórmula química do produto. Ela ainda reorganizou o modelo de vendas e desenvolveu embalagens mais inovadoras, em especial para o tratamento continuado em casa. E decidiu buscar o mercado internacional, além do doméstico.

A Flow Executive Finders, empresa de seleção de executivos, foi um caso diferente: pouco tempo depois de iniciar operações, em 2011, quis refinar seu modelo
de negócio.

Para isso, fez três pesquisas: uma de dados secundários com fontes especializadas, uma quantitativa com mais de 130 executivos (entre CEOs, CFOs e gestores de RH de empresas médias e grandes, nacionais e internacionais) e entrevistas qualitativas com cerca de cem executivos contratados pelo método de executive search.

Descobriu que só 18% dos candidatos consideravam os players do setor profissionais, competentes e eficientes e que apenas 27% haviam desenvolvido um relacionamento com seus headhunters. Dados como esses, inseridos na ferramenta, permitiram à Flow buscar um posicionamento novo. “Ao compreendemos como nossa marca seria percebida, nos diferenciamos”, diz Luiz Gustavo Mariano, sócio-fundador.

“Ao compreendemos como nossa marca seria percebida, nos diferenciamos”
Luiz Gustavo Mariano, sócio-fundador da Flow Executive Finders

Faça você mesmo

Você pode fazer uso de nossa ferramenta de maneira prática e intuitiva utilizando apenas um flip chart, ou algumas folhas de sulfite. Basta desenvolver seus próprios vetores, como no gráfico apresentado, com o conhecimento que tem acerca do mercado onde sua empresa está (ou pretender estar, um dia) e, a partir disso, decidir sobre seu posicionamento.

Por exemplo, imagine que sua empresa fosse uma fabricante local de calçados esportivos e desejasse, um ano atrás, com vistas às vendas na Olimpíada Rio 2016, reposicionar seus tênis de corrida no mercado disputado com outras 19 concorrentes, com o objetivo de ganhar maior visibilidade.

A primeira coisa a fazer teria sido montar o eixo vertical com o preço ao consumidor dos modelos de tênis, que variam entre R$ 150 e R$ 850: você dividiria o eixo em cinco diferentes faixas de apreçamento.

Em seguida, você estabeleceria o atributo que desejasse comparar entre sua marca e as outras 19 – por exemplo, o sistema de amortecimento – e colocaria, no eixo horizontal, suas variações – com sistema em todo o solado, com sistema só no calcanhar e sem sistema (somente EVA – etileno vinil acetato).

Note que você certamente teria essas informações e dados à mão, ou na memória de seus vendedores ou por conta de pesquisas de mercado.

Cruzando os preços com os atributos, você logo descobriria onde estavam os espaços mais e menos ocupados no mercado em relação ao sistema de amortecimento. Se seguisse o mesmo procedimento com outros atributos que julgasse relevantes, mantendo as mesmas faixas de apreçamento, em poucas horas encontraria o lugar que sua marca poderia passar a ocupar, evitando os espaços superpovoados e rumando para as lacunas à esperava de serem exploradas.

Acabou a Olimpíada e, se você é fabricante de calçados esportivos ou de qualquer outro produto ou serviço, meu conselho é que refaça essa análise em frequência compatível com o dinamismo de seu segmento. É necessário sempre atualizar as informações – se possível, fazendo sua equipe captála in loco -, porque os concorrentes se movimentam constantemente e novos players surgem a cada dia. (É bem capaz que seu novo maior concorrente tenha acabado de entrar no mercado, inclusive).

Repita a análise com seus outros produtos – outro tênis e talvez roupas e acessórios, no caso hipotético tratado – e explore cada diferencial competitivo que puder encontrar.

 

Fonte: https://experience.hsm.com.br/posts/conhece-teus-concorrentes-como-a-ti-mesmo

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